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A estereofonia foi de facto um passo decisivo na história da indústria fonográfica e do áudio no caminho para a “Alta-fidelidade” (que era o nome que se dava à reprodução sonora tão próxima da realidade quanto possível). Entre os anos sessenta e os anos oitenta era relativamente comum encontrar em lugar de destaque numa casa de classe média/alta um bom sistema de som – que em abono da verdade nada tem a ver com os actuais artefactos para a criação de efeitos de “cinema em casa”. Pelo contrário, hoje em dia esse culto de perfeição atingiu o ponto mais baixo das últimas décadas: é pouco menos que lamentável a qualidade dos registos sonoros em ficheiros de compressão de áudio usados nos computadores, telemóveis e outras engenhocas tão populares entre as novas gerações.
Mas se é discutível que a desmaterialização do registo sonoro per si compromete a qualidade – nomeadamente quando utilizados ficheiros de compressão sem perda de informação (alta-resolução), a mesma será sempre comprometida pelo lado dos sistemas de reprodução "miniaturizados". O requinte da reprodução sonora exige alguma dimensão dos componentes da aparelhagem, pelo menos nas colunas.
Só o fonógrafo, Zé Fernandes, me faz verdadeiramente sentir a minha superioridade de ser pensante e me separa do bicho. Acredita, não há senão a Cidade, Zé Fernandes, não há senão a Cidade!
(...)
Eram as senhoras que desejavam ouvir no Fonógrafo uma ária da Patti!
O meu amigo sacudiu logo os ombros, numa surda irritação: - Ária da Patti... Eu sei lá! Todos esses rolos estão em confusão. Além disso o Fonógrafo trabalha mal…
Eça de Queiroz
A Cidade e as Serras
Os fonógrafos popularizaram-se muito no final do Século XIX: eram bastante funcionais e, além de muito competentes na reprodução, eram vendidos com um kit para gravação coisa que tornava o objecto muito mais completo e interessante do que os gramofones, ainda algo toscos. Concebidos numa cera castanha bastante frágil em que o registo se degradava em pouco mais de dez audições, originalmente os cilindros tinham de ser gravados, cada um deles, ao vivo. Posteriormente desenvolveu-se uma solução interligando os fonógrafos com tubos de borracha, um sistema não satisfatório mas suficientemente eficaz para a comercialização e venda de cilindros gravados em série. Tal obrigava os artistas, músicos e cantores a desgastantes sessões em que repetiam incessantemente o tema até produzirem um lote suficiente para satisfazer a procura. Dava-se o caso curioso de uma mesma edição inevitavelmente exibir ligeiras diferenças nas interpretações.
Ao longo dos anos, o tipo de cera utilizada nos cilindros foi melhorado e endurecido de modo que pudessem ser tocados mais vezes sem se degradarem tanto. Em 1902, a Edison Records lançou uma nova gama de cilindros de cera prensada, os Edison Gold Moulded. Muito aperfeiçoado, o progresso consistia na criação de um cilindro principal revestido com ouro que permitia a reprodução de várias centenas de cópias. O Disco da empresa Gramphone de Emile Berliner então emergente ainda teria uns anos para se impor definitivamente.
Aqui partilhamos uma cançoneta de 1907 de Ada Jones, uma actriz e cantora britânica emigrada para os Estados Unidos, que muito se popularizou - a solo e em duetos com Billy Murray e Len Spencer - através dos cilindros e discos gravados no início do século XX.
Já aqui publiquei diversa informação referente aos primitivos discos em goma-laca com um lado só fabricados até ao final da primeira década do século XX. Se a ilustração de um lado "não gravado" é visualmente pouco reveladora, talvez o não seja a imagem deste “moderno” espécime de 1912 da etiqueta britânica The Twin que aqui hoje desvendo.
Louis Armstrong - "Blues for yesterday" em gravação de 1949
a tocar num Perpetuum Ebner - musical 2V, de 1958 a válvulas
Os velhinhos discos de goma-laca mantiveram-se muito populares até meados dos anos 50, o advento da alta-fidelidade das micro espiras em vinil. Acontece que os mais modernos 78 rpm's com gravação ortofónica (eléctrica e equalizada) soam mal no gramofone de amplificação mecânica (campânula) e surpreendentemente bem num gira-discos portátil de válvulas. A performance desses aparelhos era perfeitamente adequada à amplitude de frequências gravadas dos profundos e resistentes sulcos desses discos.
Surgida ainda no final do século XIX de uma cisão na equipa de Emile Berliner que então laborava arduamente nos melhoramentos técnicos do gramofone e do disco, a "Zon-o-Phone" é uma marca fundada pelo vendedor de máquinas de escrever Frank Seaman. No fundo trata-se de um dos primeiros rótulos discográficos a surgir no mercado e a competir com o cilindro de cera de Edison. Aqui vos deixo em primeira mão a reprodução dum disco de 1903 “Bonnie Sweet Bessie” (ainda com 7 polegadas – o formato mais tarde normalizado fixou-se nas 10 polegadas). Após resolvidos os múltiplos diferendos com a justiça a Zon-o-Phone veio a ser integrada na Gramophone Company de Emile Berliner e de Eldridge Reeves Johnson como marca “económica” que irónicamente hoje ainda publica como marca de culto nos catálogos da EMI.
Prometo um dia destes partilhar uma gravação desta "etiqueta rebelde" produzida em 1898.
Aqui vos desvendo um dos primeiros discos gravados, produzido em 1898 pela empresa americana "Gramophone" do anglo-alemão Emile Berliner (que os inventara dez anos antes). Trata-se de um solo de clarinete por A.P. Stengler "Blue Bells Of Scotland". De notar que 1901 é considerada a data "oficial" (in história do Séc. XX de Martin Guilbert) do início da comercialização dos discos que vieram mais tarde destronar os cilindros de cera prensada.
Dia 18 de Maio celebram-se exactamente 125 anos sobre a invenção do disco, um tosco protótipo apresentado pelo inventor alemão naturalizado americano Emile Berliner. Sobre este assunto estou a preparar um pequeno artigo que o jornal i publicará na próxima sexta-feira. Entretanto deliciem-se com este curto vídeo dos anos 20, sobre o processo de gravação e produção dos primeiros discos de baquelite.
No Natal de 1906, a família Wall canta dois temas alusivos
Quem acompanha as insignificâncias a que dedico a minha escrita, entende o fascínio que sobre mim exerce este artigo do Daly Mail sobre um avô que resgatou do seu sótão o fonógrafo e uma série de cilindros com as mais antigas gravações sonoras “feitas em casa” até hoje conhecidas. Cerca de 24 minutos de registos diversos, feitos pelos seus antepassados e que inclui impressionante “retrato” duma longínqua festa de Natal de 1902 que aqui reproduzo, foram doados ao museu de Londres. (Para ouvir os ficheiros, clicar na ligação em baixo da respectiva imagem)
No Natal de 1904, o Senhor Wall e alguns convivas endereçam votos de Boas Festas
Da minha experiência com uma série de cilindros com que este ano fui presenteado - e que aqui deixei testemunho em devida altura - nenhum dos "gravados em casa", (cujas caixas referenciam a anedotas, fados e cantigas) está em condições mínimas de audibilidade, afectados por um fungo que ataca a cera. Em dois deles devidamente assinalados, consegue-se adivinhar cantorias e monólogos, mas para conseguir uma nitidez razoável será necessário investir um dia num sofisticado trabalho de filtragem sonora, com meios e técnicas que não são muito acessíveis. Um projecto que espero cumprir, porque o som é um precioso complemento da imagem... e porque se nos orgulhamos de exibir na sala o retrato do nosso avô, como seria fascinante possuirmos um seu “postal” sonoro como recordação, não vos parece?
Nota:
Agradeço a Victor Santos Carvalho que me fez chegar a "notícia" do Daily Mail
Foi justamente há 135 anos, a 6 de Dezembro de 1877 que Thomas Edison reproduziu publicamente a primeira gravação da voz humana, a sua própria voz, recitando "Mary had a Little Lamb" poema infantil atribuído a Sarah Josepha Hale. Aproveito a efeméride para partilhar esta peça rara, uma das primeiras gravações em disco (só com um lado gravado), produzido a 1 de Fevereiro de 1908 (!) pela Victor Talking Machine, o popular tema "National Emblem March" executada pela banda filarmónica de Arthur Pryor's. Nada como uma marcha, onde que impera o pleno vigor dos metais, para que com as limitações técnicas da época se obtivesse um bom resultado sonoro.
O reverso do disco 5576 Victor Talking Machine co.
Da revolução sonora - nunca nada mais foi o mesmo. Pormenor da capa do álbum "Sleepwalker" dos Kinks de 1977.
Grafonola
Columbia Vita Tonal nº 112 de 1925
O disco, uma invenção atribuída ao inventor alemão naturalizado americano Emile Berliner, concorreu com o cilindro de cera desde os primeiros anos do século XX. Apesar de possuírem mais capacidade de armazenamento (dois lados) e serem mais fáceis de guardar, os discos não se impuseram logo de início no mercado devido à sua extrema fragilidade, só a partir de 1910 com a aplicação de uma bem sucedida solução de goma laca que permitia a sua prensagem a partir de uma matriz, as suas vendas ultrapassaram os célebres cilindros de Edison. Foi aliás tarde e na iminência de falência que Thomas Edison converteu a sua produção a este formato que afinal perdurou até ao inicio dos anos 50 quando surgiram os "Long Playing" de 33 rpm e os "Singles" 45rpm hoje designados por vinyl.
Pesados e rígidos, os primeiros discos feitos para rodar entre 75 e 78 rpm eram gravados por métodos integralmente mecânicos e acústicos e por isso tinham uma sensibilidade a frequências muito limitada, com preponderância quase total da captação das intermédias. As frequências muito baixas (graves) e as muito altas (agudos) não eram registadas. Assim, por uma questão de eficiência os metais e a percussão eram os instrumentos mais utilizados, para acompanhar as cançonetas ou até curtas áreas de Ópera, facto que também explica o sucesso de inúmeras Marchas e Polcas então gravadas. Por exemplo, o violino mal se ouvia na reprodução, tendo a determinada altura sido essa limitação contornada com a engenhosa montagem de uma campânula cónica na parte traseira do instrumento para reforço da projecção do seu delicado som agudo. Estas limitações só foram ultrapassadas pela gravação electrónica (pela utilização de microfones e amplificadores), método que se veio a generalizar a partir dos anos 20 do século XX.
Os discos eram reproduzidos nas mais abastadas casas burguesas ou em bailaricos de paróquia em mais ou menos sofisticados gramofones, cuja potência e qualidade sonora dependia do tamanho e do material usado na campânula por onde se projectava o som. Estes aparelhos funcionavam com geringonças de corda, cuja precisão e potência chegava a garantir a audição afinada de três discos sem se ter de dar à manivela. Outra curiosidade era a frequência do consumo das pontiagudas agulhas de metal (as marcas aconselhavam a sua troca por cada audição) e que eram vendidas às centenas em coloridas caixinhas metálicas que hoje fazem as delícias dos seus coleccionadores. Foi a partir dos anos vinte que, com as mesmas características dos gramofones, se popularizam as
portáteis grafonolas, geralmente em formato de "mala" onde uma pequena campânula se escondia no seu interior. Estas eram bem menos elegantes e potentes que os gramofones, mas bem mais económicas, fenómeno que potenciou a sua democratização e consequente expansão da indústria de gravação. As tabelas de vendas de discos em revistas começaram nos anos 40 tendo por essa altura a revista americana Bilboard começado a publicar a lista dos mais vendidos. O galardão Disco de Ouro que assinalava a venda de um milhão de cópias foi pela primeira vez atribuído em 1942 a Glenn Miller.
Gramofone
Um esplêndido His Master's Voice de 1920 com uma campânola de madeira
para um som forte e suave
Caixa de cilindro de cera (inutilizado) Sociedade Phonographica Portugueza.
Oferecida por mim para o futuro Museu da Música Mecânica em Palmela.
His Master's Voice ou “A voz do dono” em português, é uma das mais afamadas marcas da indústria de reprodução e gravação e sonora do século XX, tendo-se distinguido em grande medida devido ao seu inconfundível rótulo, um cão atento espreitando para a campânula dum gramofone, uma pintura da autoria de Francis Barraud.
A história que dá origem a este caso de sucesso é bem curiosa e até comovente. Com morte do irmão Mark, o pintor herdou não só o seu fonógrafo como um fox terrier, Nipper. Certo dia quando Francis escutava gravações da voz do seu irmão, o cachorro colocou-se atento junto ao cone do aparelho, reacção que o Francis decidiu perpetuar numa tela. Inicialmente a pintura apresentava um fonógrafo de cilindros, que o pintor inglês tentou, sem sucesso, vender a Thomas Edison para as suas campanhas comerciais.
Perante a recusa, o pintor substituiu o fonógrafo por um gramofone, mecanismo concorrente que então dava os primeiros passos (leitura de discos), e em 1899 vendeu a pintura à empresa britânica The Gramophone Company que a partir de então utilizou em diversas campanhas e com muitas adaptações. Os direitos da célebre imagem foram concedidas para utilização nos EUA à marca Victor Talking Machine Company de Emile Berliner o inventor do gramofone e parceiro amercicano da companhia inglesa.
Em 1920 foi atribuída ao pintor uma pensão anual de 250 libras como reconhecimento da importância que a sua criação teve na promoção dos gramofones em todo o mundo.
Fontes: Wikipédia e “ Fonógrafos e Gramofones” de Luís Cangueiro.
Publicado originalmente aqui.
Perante o grande sucesso comercial do Fonógrafo no final do século XIX, para a produção em série dos primeiros cilindros de cera pré-gravados, o cantor e a orquestra tinham de repetir centenas de vezes a mesma peça musical, uma vez que a gravação era feita em pequenos lotes de dez a doze cilindros de cada vez. Se juntarmos a este facto a resistência à novidade e o limite de dois minutos por registo, talvez se se entenda a recusa inicial das grandes vozes da época como Enrico Caruso ou Yvette Guibert a gravarem o seu reportório.
Algumas canções portuguesas celebrizaram-se através do fonógrafo gravadas em cilindros de cera. Em Portugal a empresa Fonógrafo de Edison organizava audições itinerantes que causavam furor e enchiam as salas de espectáculo pelas cidades onde passavam. Destas gravações há registo do enorme sucesso de “O Burro do Senhor Alcaide”, “O Solar dos Barrigas”, “O Brasileiro Pancrácio”, “Caninha Verde” e “O fado do Hilário” cantados pela actriz Isaura e actores Queiroz, Alfredo Carvalho e Augusto Hilário célebre fadista de Coimbra. E como eu gostava de encontrar um cilindro português para a minha pobre colecção…
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