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Breve iniciação à fascinante história da gravação sonora

por João Távora, em 17.07.24

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O primeiro aparelho de gravação e reprodução sonora mecânico foi o fonógrafo de cilindro, inventado por Thomas Edison em 1877 – lembro-me bem na minha juventude, dos selos nos discos a assinalar o centenário. A sua comercialização generalizou-se no final do séc. XIX quando se tornaram funcionais. Além de muito competentes na reprodução, eram vendidos com um kit para gravação, coisa que tornava o objecto muito mais completo e interessante do que os gramofones (reprodutores dos primeiros discos), ainda algo toscos. Concebidos numa cera castanha bastante frágil em que o registo se degradava em pouco mais de dez audições, originalmente os cilindros tinham de ser gravados, cada um deles, ao vivo. Posteriormente desenvolveu-se uma solução interligando os fonógrafos com tubos de borracha, um sistema não satisfatório mas suficientemente eficaz para a comercialização e venda de cilindros gravados em série. Tal obrigava os artistas, músicos e cantores a desgastantes sessões em que repetiam incessantemente o tema até produzirem um lote suficiente para satisfazer a procura. Dava-se o caso curioso de uma mesma edição inevitavelmente exibir ligeiras diferenças nas interpretações. Deste modo não se seduziam os artistas de proa a submeterem-se à experiência.

Ao longo dos anos, o tipo de cera utilizada nos cilindros foi melhorado e endurecido de modo que pudessem ser tocados mais vezes sem se degradarem tanto. Em 1902, a Edison Records lançou uma nova gama de cilindros de cera prensada, os Edison Gold Moulded. Muito aperfeiçoado, o progresso consistia na criação de um cilindro principal revestido com ouro que permitia a impressão de várias centenas de cópias.

O Disco, da empresa Gramophone de Emile Berliner então emergente, ainda demoraria uns anos para se impor definitivamente. Este suporte de gravação sonora, ainda hoje em aperfeiçoamento e preferido pelos mais criteriosos audiófilos, nasceu a 18 de Maio de 1888 para concorrer com o cilindro de cera. Apesar de possuírem mais capacidade de armazenamento (dois lados) e serem mais fáceis de guardar, os discos não se impuseram logo no mercado devido à sua extrema fragilidade. Só a partir de 1910, com a aplicação de goma-laca que facilitava a sua prensagem a partir de uma matriz, as suas vendas ultrapassaram os célebres cilindros de Thomas Edison. Foi já tarde e diante da iminente falência que Thomas Edison converteu a sua produção para o disco, no formato de 10 polegadas, que perdurou até ao início dos anos 1950, quando surgiram os Long Playing de 33 rpm (rotações por minuto) e os Singles de 45 rpm, gravados em vinil e impulsionados por motores de grande precisão, que permitiam a redução do número de rotações e por isso a capacidade de “armazenamento”.

Inicialmente apenas com um dos lados gravados, os primeiros discos, pesados e rígidos, feitos para rodar entre 75 e 78 rpm, tocavam, como os cilindros, gravações de 3 a 4 minutos realizadas por métodos integralmente mecânicos e acústicos, de sensibilidade a frequências extremamente limitada: as muito baixas (sons graves) e as muito altas (sons agudos) não eram registadas. Os metais e a percussão eram, por isso, os instrumentos musicais mais adequados a acompanhar cançonetas, marchas e polcas ou até curtas árias de Ópera devidamente adaptadas. Estas limitações só foram ultrapassadas pela gravação eléctrica com microfones e amplificadores, o que se generalizou a partir do final da década de 1920.

No início era só nas casas burguesas mais abastadas ou em bailaricos de paróquia que os discos eram tocados em gramofones mais ou menos sofisticados, cuja potência sonora dependia do formato e tamanho da campânula que projectava o som. Estes aparelhos, como os fonógrafos, funcionavam com fabulosos motores de corda, cuja precisão e força chegava a garantir a audição afinada de três discos sem novo impulso de manivela. Outra curiosidade era o consumo frequente de pontiagudas agulhas de metal (as marcas fonográficas aconselhavam a sua troca a cada audição!) e que eram vendidas às centenas em coloridas caixinhas de folha-de-flandres que hoje fazem as delícias dos coleccionadores. Foi a partir dos anos 1920 que se popularizaram as grafonolas, máquinas portáteis em forma de mala, contendo uma pequena campânula escondida no interior. Estas eram bem menos elegantes e potentes que os gramofones, mas muito mais económicas, o que potenciou a sua popularização e a consequente expansão da indústria fonográfica.

É nos anos 1940 que surge na revista norte-americana Bilboard a primeira lista dos discos mais vendidos. O mundo jamais foi o mesmo. A democratização do consumo da música gravada teve definitivamente origem no disco de Berliner, que trouxe consigo, entre tantas virtualidades, um dos mais marcantes fenómenos do século XX: a música Pop. Quem nasceu nos anos 1960, em pleno boom da indústria fonográfica — quando a importância dos seus actores, principalmente os artistas, foi reconhecida política e socialmente, alguns quase idolatrados, dificilmente entende que no início os artistas fossem quase anónimos, a quem as capas em papel pardo que envolviam os discos não davam qualquer protagonismo.

A estereofonia foi de facto um passo decisivo na história da indústria fonográfica e do áudio no caminho para a “Alta-fidelidade” - o nome que se dava à reprodução sonora tão próxima da realidade quanto possível. Entre os anos sessenta e os anos oitenta era relativamente comum encontrar numa casa de classe média/alta em lugar de destaque um bom sistema de som. Pelo contrário, actualmente esse culto de perfeição atingiu o ponto mais baixo das últimas décadas: é pouco menos que lamentável a qualidade dos registos sonoros em ficheiros de compressão de áudio usados nos computadores, telemóveis e outras engenhocas tão populares entre as novas gerações. Refiro-me à desmaterialização do consumo da música, e ao fenómeno das “estantes vazias”. O advento do streaming foi um salto, não tanto em qualidade sonora mas em comodidade.

Privilegiado possuidor de um fonógrafo de Edisson e de um Gramofone, ambos aparelhos do início do século XX (vale a pena uma visita ao Museu da Música Mecânica, situado no Pinhal Novo, no município de Palmela, dedicado ao fabuloso acervo de fonógrafos, gramofones e Caixas de Música de Luís Cangueiro) o fascínio pela música e pelo som conduziram-me à colecção dos primeiros registos sonoros feitos em Portugal, com especial foco nas duas primeiras décadas do século XX. Quem sabe nos nossos dias quem eram esses cantores/actores pioneiros, com dezenas de peças comercializadas, como Isabel Costa, Duarte Silva, Medina de Sousa, Manassés Lacerda, ou Reinaldo Varella (que terá sido professor de música do Rei D. Carlos)? Talvez por isso me pareça tão estranho o desinteresse generalizado pela história da música gravada no nosso país, em claro contraste com o interesse pela actividade fotográfica da mesma época e os seus actores. Afinal estamos a falar dos dois principais sentidos, a visão e a audição, ou não?

De facto, há em Portugal várias décadas de história da música gravada, dos seus produtores e intérpretes anteriores ao cinema sonoro (à gravação eléctrica) que valem bem o seu estudo e divulgação.

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 A embalagem dum cilindro (colecção particular)

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Anúncio de Gramofone da Sociedade Phonográphica Portugueza (colecção particular)

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Anúncio Discos Simplex (colecção particular)

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Rótulos de discos portugueses da primeira década do século XX (colecção particular)

Leitura aconselhada:

Legenda imagem de topo:

 A Banda da Guarda Municipal de Lisboa (mais tarde republicana) dirigida pelo Chefe António Taborda, gravou no Quartel do Carmo para a companhia “The Gramophone and Typewriter” o primeiro disco de pompa militar intitulado “Surpresa do Inimigo” de Martins júnior, a 24 de Julho de 1904. (colecção particular)



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publicado às 12:19

O fonógrafo de Jacinto

por João Távora, em 15.01.15

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Só o fonógrafo, Zé Fernandes, me faz verdadeiramente sentir a minha superioridade de ser pensante e me separa do bicho. Acredita, não há senão a Cidade, Zé Fernandes, não há senão a Cidade!

(...)

Eram as senhoras que desejavam ouvir no Fonógrafo uma ária da Patti!
O meu amigo sacudiu logo os ombros, numa surda irritação: - Ária da Patti... Eu sei lá! Todos esses rolos estão em confusão. Além disso o Fonógrafo trabalha mal…

 

Eça de Queiroz

A Cidade e as Serras

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publicado às 09:25

A moda do vinil

por João Távora, em 22.09.14

É no mínimo estranho como o recente interesse do jornalismo pelo Vinil e colecções de discos patente em diversos artigos e reportagens publicadas ultimamente se circunscreva à segunda metade do século XX, como se a motivação para esse olhar fosse tão só explorar a nostalgia dos leitores mais velhos por esse objecto icónico. Mas acontece que mundo não começou com a formação do nosso umbigo. 

Para contrariar essa perspectiva míope aqui vos apresento uma preciosidade, não só pela idade e rareza, mas pela excelência patenteada neste “Fado da Pallida Madrugada” de 1906 interpretado por Manassés de Lacerda um dos pioneiros da Canção de Coimbra. A investigação desta matéria deverá contemplar as suas origem nos finais do século XIX, tanto mais que a história e inventariação do espólio fonográfico nacional tem muito ainda por fazer. 

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publicado às 16:58

Unicamente por amor

por João Távora, em 31.10.13

Este fabuloso senhor "qualquer coisa Colonel", partilha diariamente no Youtube vídeos (filmados aparentemente com uma câmara que usa na testa) de discos antigos a tocar num gramofone e cenário absolutamente indescritíveis... o facto é que há dois anos para cá o homem, fanático por gramofones, vem granjeando imenso sucesso com esta receita: para cima de dois milhares de clips, já contam 1 073 478 visualizações sempre com o mesmo plano e umas piadinhas de circunstância ao estilo vitoriano. Agora chamem-me maluco a mim.>

 

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publicado às 11:08

Édouard-Léon Scott

por João Távora, em 26.10.12

 

Recentemente foi descoberta, recuperada e reproduzida esta gravação de 1860 feita por Édouard-Léon Scott de Martinville num fonoautógrafo, que nunca descobriu forma de a reproduzir. Este refrão de Au Clair de la Lune é o registo de voz humana mais antigo alguma vez escutado. 


O primeiro aparelho de gravação e reprodução sonora mecânico foi o fonógrafo de cilindro, inventado por Thomas Edison em 1877. 

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publicado às 11:30

Coleccionador de sons (7)

por João Távora, em 14.10.12

Oiçam esta pérola de Ragtime, por Arthur Collins (New Jersey 1864 – 1933).

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publicado às 11:29

O fascinante cilindro de cera de Edison

por João Távora, em 27.09.12

 

Da esquerda para direita, três diferentes cilindros de Edison: o primeiro é de cera virgem para dois minutos de gravação produzidos em série a partir de 1880. Com a mesma capacidade, segundo é de cera preta (mais resistente) com temas pré-gravados (Gold Moulded) foram um sucesso produzido a partir de 1903. O terceiro, patenteado em 1912, tem 4 minutos (o dobro da capacidade dos anteriores), com melhor som e mais resistente devido ao acabamento em celulóide, é adjectivado de “indestrutível”. Nesta fase, o cilindro já estava em fim de vida, pois os discos, com muito mais capacidade (dois lados) e mais fáceis de armazenar, tinham chegado para vencer.

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publicado às 11:21



A montante deste caprichoso prazer de coleccionar os sons antigos e de saborear sofisticados sistemas de reprodução sonora está uma enorme paixão. Neste blog que afinal é uma contradição de termos – uma plataforma de partilha digital em defesa do suporte analógico - presto tributo a essa que considero a mais divinal forma de expressão humana: a música.


O Autor

João Lancastre e Távora nasceu em Lisboa, que adora. Exilado no Estoril, alienado com política e com os media, é sportinguista de sofrer, monárquico, católico e conservador. No resto é um vencedor: casado, pai de filhos e enteados, é empresário na área da Comunicação e do Marketing. Participando em diversos projectos de intervenção cívica, é dirigente associativo e colabora em vários blogues e projectos comunicação política e cultural.

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