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O primeiro aparelho de gravação e reprodução sonora mecânico foi o fonógrafo de cilindro, inventado por Thomas Edison em 1877 – lembro-me bem na minha juventude, dos selos nos discos a assinalar o centenário. A sua comercialização generalizou-se no final do séc. XIX quando se tornaram funcionais. Além de muito competentes na reprodução, eram vendidos com um kit para gravação, coisa que tornava o objecto muito mais completo e interessante do que os gramofones (reprodutores dos primeiros discos), ainda algo toscos. Concebidos numa cera castanha bastante frágil em que o registo se degradava em pouco mais de dez audições, originalmente os cilindros tinham de ser gravados, cada um deles, ao vivo. Posteriormente desenvolveu-se uma solução interligando os fonógrafos com tubos de borracha, um sistema não satisfatório mas suficientemente eficaz para a comercialização e venda de cilindros gravados em série. Tal obrigava os artistas, músicos e cantores a desgastantes sessões em que repetiam incessantemente o tema até produzirem um lote suficiente para satisfazer a procura. Dava-se o caso curioso de uma mesma edição inevitavelmente exibir ligeiras diferenças nas interpretações. Deste modo não se seduziam os artistas de proa a submeterem-se à experiência.
Ao longo dos anos, o tipo de cera utilizada nos cilindros foi melhorado e endurecido de modo que pudessem ser tocados mais vezes sem se degradarem tanto. Em 1902, a Edison Records lançou uma nova gama de cilindros de cera prensada, os Edison Gold Moulded. Muito aperfeiçoado, o progresso consistia na criação de um cilindro principal revestido com ouro que permitia a impressão de várias centenas de cópias.
O Disco, da empresa Gramophone de Emile Berliner então emergente, ainda demoraria uns anos para se impor definitivamente. Este suporte de gravação sonora, ainda hoje em aperfeiçoamento e preferido pelos mais criteriosos audiófilos, nasceu a 18 de Maio de 1888 para concorrer com o cilindro de cera. Apesar de possuírem mais capacidade de armazenamento (dois lados) e serem mais fáceis de guardar, os discos não se impuseram logo no mercado devido à sua extrema fragilidade. Só a partir de 1910, com a aplicação de goma-laca que facilitava a sua prensagem a partir de uma matriz, as suas vendas ultrapassaram os célebres cilindros de Thomas Edison. Foi já tarde e diante da iminente falência que Thomas Edison converteu a sua produção para o disco, no formato de 10 polegadas, que perdurou até ao início dos anos 1950, quando surgiram os Long Playing de 33 rpm (rotações por minuto) e os Singles de 45 rpm, gravados em vinil e impulsionados por motores de grande precisão, que permitiam a redução do número de rotações e por isso a capacidade de “armazenamento”.
Inicialmente apenas com um dos lados gravados, os primeiros discos, pesados e rígidos, feitos para rodar entre 75 e 78 rpm, tocavam, como os cilindros, gravações de 3 a 4 minutos realizadas por métodos integralmente mecânicos e acústicos, de sensibilidade a frequências extremamente limitada: as muito baixas (sons graves) e as muito altas (sons agudos) não eram registadas. Os metais e a percussão eram, por isso, os instrumentos musicais mais adequados a acompanhar cançonetas, marchas e polcas ou até curtas árias de Ópera devidamente adaptadas. Estas limitações só foram ultrapassadas pela gravação eléctrica com microfones e amplificadores, o que se generalizou a partir do final da década de 1920.
No início era só nas casas burguesas mais abastadas ou em bailaricos de paróquia que os discos eram tocados em gramofones mais ou menos sofisticados, cuja potência sonora dependia do formato e tamanho da campânula que projectava o som. Estes aparelhos, como os fonógrafos, funcionavam com fabulosos motores de corda, cuja precisão e força chegava a garantir a audição afinada de três discos sem novo impulso de manivela. Outra curiosidade era o consumo frequente de pontiagudas agulhas de metal (as marcas fonográficas aconselhavam a sua troca a cada audição!) e que eram vendidas às centenas em coloridas caixinhas de folha-de-flandres que hoje fazem as delícias dos coleccionadores. Foi a partir dos anos 1920 que se popularizaram as grafonolas, máquinas portáteis em forma de mala, contendo uma pequena campânula escondida no interior. Estas eram bem menos elegantes e potentes que os gramofones, mas muito mais económicas, o que potenciou a sua popularização e a consequente expansão da indústria fonográfica.
É nos anos 1940 que surge na revista norte-americana Bilboard a primeira lista dos discos mais vendidos. O mundo jamais foi o mesmo. A democratização do consumo da música gravada teve definitivamente origem no disco de Berliner, que trouxe consigo, entre tantas virtualidades, um dos mais marcantes fenómenos do século XX: a música Pop. Quem nasceu nos anos 1960, em pleno boom da indústria fonográfica — quando a importância dos seus actores, principalmente os artistas, foi reconhecida política e socialmente, alguns quase idolatrados, dificilmente entende que no início os artistas fossem quase anónimos, a quem as capas em papel pardo que envolviam os discos não davam qualquer protagonismo.
A estereofonia foi de facto um passo decisivo na história da indústria fonográfica e do áudio no caminho para a “Alta-fidelidade” - o nome que se dava à reprodução sonora tão próxima da realidade quanto possível. Entre os anos sessenta e os anos oitenta era relativamente comum encontrar numa casa de classe média/alta em lugar de destaque um bom sistema de som. Pelo contrário, actualmente esse culto de perfeição atingiu o ponto mais baixo das últimas décadas: é pouco menos que lamentável a qualidade dos registos sonoros em ficheiros de compressão de áudio usados nos computadores, telemóveis e outras engenhocas tão populares entre as novas gerações. Refiro-me à desmaterialização do consumo da música, e ao fenómeno das “estantes vazias”. O advento do streaming foi um salto, não tanto em qualidade sonora mas em comodidade.
Privilegiado possuidor de um fonógrafo de Edisson e de um Gramofone, ambos aparelhos do início do século XX (vale a pena uma visita ao Museu da Música Mecânica, situado no Pinhal Novo, no município de Palmela, dedicado ao fabuloso acervo de fonógrafos, gramofones e Caixas de Música de Luís Cangueiro) o fascínio pela música e pelo som conduziram-me à colecção dos primeiros registos sonoros feitos em Portugal, com especial foco nas duas primeiras décadas do século XX. Quem sabe nos nossos dias quem eram esses cantores/actores pioneiros, com dezenas de peças comercializadas, como Isabel Costa, Duarte Silva, Medina de Sousa, Manassés Lacerda, ou Reinaldo Varella (que terá sido professor de música do Rei D. Carlos)? Talvez por isso me pareça tão estranho o desinteresse generalizado pela história da música gravada no nosso país, em claro contraste com o interesse pela actividade fotográfica da mesma época e os seus actores. Afinal estamos a falar dos dois principais sentidos, a visão e a audição, ou não?
De facto, há em Portugal várias décadas de história da música gravada, dos seus produtores e intérpretes anteriores ao cinema sonoro (à gravação eléctrica) que valem bem o seu estudo e divulgação.
A embalagem dum cilindro (colecção particular)
Anúncio de Gramofone da Sociedade Phonográphica Portugueza (colecção particular)
Anúncio Discos Simplex (colecção particular)
Rótulos de discos portugueses da primeira década do século XX (colecção particular)
Leitura aconselhada:
Legenda imagem de topo:
A Banda da Guarda Municipal de Lisboa (mais tarde republicana) dirigida pelo Chefe António Taborda, gravou no Quartel do Carmo para a companhia “The Gramophone and Typewriter” o primeiro disco de pompa militar intitulado “Surpresa do Inimigo” de Martins júnior, a 24 de Julho de 1904. (colecção particular)
Nos meus tempos de juventude, o gosto musical era moldado pela música que os nossos pais ou tios ouviam no gira-discos, mas principalmente pela música que passava nas estações de FM em programas mais ou menos comerciais ou elitistas. Certo é que, aqui chegados, a música popular francesa desapareceu quase completamente do espaço público português. É verdade que ao invés temos mais e muito variada oferta nacional e a música popular brasileira continua a dar cartas, mas é estranho que a canção francesa se tenha eclipsado. Os novos modos de consumo não justificam tudo.
"A 9 de Janeiro de 1878 morria em Roma o rei Vítor Manuel II, sogro de D. Luís I, o que motivou a partida apressada para Itália da filha, a rainha Maria Pia, que aproveitou para levar consigo o Príncipe D. Carlos então com quinze anos.
Antes de embarcar, pediu a Francisco de Mello Breyner que levasse o filho Thomaz para o Paço da Ajuda para fazer companhia ao infante D. Afonso, que ficara sozinho sem o irmão.
Recebida a pelos pais com grande alvoroço e satisfação, a notícia não podia ter agradado mais ao visado.
«Foi um rebuliço geral na família. Criados, vizinhos e amigos vinham-me felicitar, uns a sério outros a mangar. Eu, porém, dei a maior atenção ao meu novo cargo, chegando a persuadir-me de que tinham deito príncipe»
(…) Durante o tempo que esteve no Palácio da Ajuda, Thomaz pôde assistir também, como o infante e outros membros da corte, às explicações do professor May Figueira sobre o funcionamento do microscópio e de como se preparavam chapas fotográficas com colódio. Os dois jovens testemunhariam ainda a chegada do fonógrafo de Edison e a primeira experiência telefónica feita em Portugal:
«Quando numa noite se chegou à sala azul estava lá um homem de casaca a fazer mesuras. Ao pé dele via-se um banco alto em cima do qual assentava um cilindro ligado a uma espécie de funil preto.
Pela banda de baixo havia, presos a umas correntes, dois pesos como os de certos relógios. Depois dum pequeno discurso em francês, o tal homem pôs em marcha o cilindro e daí a instantes parecia que dentro dele falava uma papagaio rouco. A seguir ouviu-se o Carnaval de Veneza.
Era o fonógrafo de Edison, antepassado dos actuais gramofones.
O apresentante quis também mostrar como se imprimida num cilindro novo qualquer música.
Por isso veio um músico de Infantaria 1, que tocou num cornetim o hino de el-rei D. Luís; mas o rapaz com a comoção enganou-se várias vezes e deu notas falsas. Quando se pôs o aparelho a rodar às avessas, apareceram os enganos e as fífias. O pode executante estava vexado.
Outra novidade na noite seguinte e na mesma sala.
El-rei sorridente tinha na mão um auscultador branco com as armas reais pintadas a cores. Um fio ligado à parte mais delgada saía por uma janela. El-rei falava pelo mesmo bocal que em seguida punha ao pé da orelha para ouvir as respostas de Frederico que estava no observatório da tapada com outro auscultador ligado à outra extremidade do fio. Era o ascendente dos telefones de hoje.»
Conta Thomaz de Mello Breyner que todos os presentes se entusiasmaram com estas novidades, menos o padre Queimado, capelão do paço, que achou que tudo aquilo não passava de terríveis invenções do Demo..."
In “Thomaz de Mello Breyner – Relatos de uma época”, por Margarida Magalhães Ramalho, págs. 36 e 37 - Imprensa Nacional - 2018
Na imagem uma demonstração do fonógrafo de Edison em Londres em 1889.
"Uma Casa Portuguesa" - A Fonseca - R Ferreira - M. Sequeira
Angel Recrds USA - Extended Play 45 rpm 1955, da minha coleccção.
Poderia justificar estas linhas com os 50 anos da publicação do primeiro álbum de originais do Genesis, o Trespass de 1970 (From Genesis to Revelation, de Março de 1969, é na verdade uma colectânea de singles), mas a ideia veio-me à cabeça por causa de uma velha disputa entre facções musicais, que recentemente ressurgiu em pequeno comité nas redes sociais: de um lado, os puristas da pop anglo-saxónica de 4 minutos, um bom poema com um refrão repetido duas vezes; e do outro lado, os que — alegadamente — se deixaram iludir ou corromper por um estilo «burguês» e pretensioso, o do rock «progressivo» ou «sinfónico», uma moda emergente nos anos 70, durante a tremenda explosão comercial da pop juvenil consumida em rodelas de vinil divulgadas em programas de rádio em Frequências Modeladas (FM; com um som muito aceitável).
Amarrados a preconceitos e teorias, os sectários não se permitem pensar e usufruir livremente da realidade que os ameaça, mas o pior é quando tentam impor a outros as suas próprias amarras. De resto, não é salutar dispormo-nos apenas a escrever coisas com o intuito de salvar o mundo, a pátria ou o destino em geral, tanto mais que o destino em geral, a pátria e o mundo não são de se deixar salvar assim — eu que o diga. Parti para este escrito com a noção de que ele pouco mais é do que uma insignificante homenagem aos Genesis de Peter Gabriel, Steve Hackett e Mike Rutherford, Tony Banks e Phil Collins (todos nascidos em 1950, à excepção de Phil, que é de Janeiro de 1951), na minha opinião uma das mais bem-sucedidas reuniões de talentos musicais que aconteceram na Inglaterra da primeira metade dos anos 70. Um agradecimento pelas muitas horas de puro prazer que me proporcionaram — a música que amamos escutamo-la sempre sozinhos, mesmo quando acompanhados. Acontece que foi nesta primeira fase e com esta formação que a banda publicou os seus quatro melhores álbuns: Nursery Crime de 1971; Foxtrot de 1972; Selling England by the Pound de 1973; e — a cereja no topo do bolo — The Lamb Lies Down on Broadway de 1974 (as capas destes discos davam uma outra crónica). Mas tenho a noção de que qualquer proselitismo a propósito de gostos e preconceitos musicais adquiridos na juventude é completamente inútil (o proselitismo é, aliás, sempre, uma inutilidade) — o mais que podemos ambicionar é obter de alguém muito amigo, mulher ou filho, tolerância, condescendência e às vezes simpatia para com a nossa obstinação. Então, no âmbito da música popular em que as adesões são essencialmente sensuais, instintivas e sentimentais, as nossas afeições são dificilmente transmissíveis a terceiros por via racional ou teórica, tanto mais que elas em geral se tornam um fenómeno narcísico, num processo de identificação em que o ouvinte, a obra e os artistas se misturam, tornando-se essa aderência numa forma de afirmação do indivíduo perante o grupo e a comunidade em que ele se deseja afirmar. Mas não é esse o caso da música dos Genesis, como tentarei explicar à frente. Prová-lo é desafio que reconheço perdido à partida: quem, como eu, gosta deles lendo este artigo continuará a gostar — espero que de uma forma mais sustentada; mas quem tomou partido contra (sempre se recusou a ouvi-los), pelas razões erradas continuará a fazer-lhes ouvidos moucos. Tenho sinceramente pena destes.
Os Genesis e o contexto musical da época. Equívocos e rótulos
Tendo nascido em 1967 de um grupo de estudantes da Charterhouse School, um colégio interno no Surrey, fundado no século XVII, desde o início os Genesis tinham um critério muito exigente de selecção dos seus elementos e depressa deixaram de ser uma banda de amigos. Aquilo era malta que gostava de fazer boa música. À sua maneira, qualquer um dos seus cinco elementos — Peter Gabriel (voz, flauta, percussão e quase sempre o autor das letras), Steve Hackett (guitarra clássica e guitarra solo), Mike Rutherford (baixo, guitarra e coros), Tony Banks (teclas) e Phil Collins (bateria e coros) — é absolutamente brilhante, mas o resultado do conjunto era muito superior à simples soma das partes. A capacidade que tinham de compor em grupo e depois, com os arranjos e na execução, fazer sobressair o que de melhor cada um tinha para dar era o grande trunfo desta banda -isso justifica que então, a assinatura das faixas dos seus álbuns, letra e música, fosse sempre assumida pelo grupo, "by Genesis". Em palco as exibições roçavam a perfeição como se fossem resultado duma performance de estúdio, apesar da complexidade melódica dos temas.
Um aparte para fazermos referência a Anthony Philips, um dos fundadores da banda, que a tendo abandonado logo após Trespass (li algures que sofria de ataques de pânico em palco), cuja influência perdurará por muito tempo. Consta que é da sua autoria «The Musical Box», o tema de abertura do álbum Nursery Crime, uma das músicas mais emblemáticas do grupo, contribuindo muito para que os Genesis se tornassem uma banda de culto. Era uma banda de concertos, calcorreavam muita estrada e faziam sucesso entre estudantes universitários, apesar do seu PA (sistema de som) medíocre — com o tempo, extravasaram das ilhas para o continente, obtendo os seus concertos assinalável êxito em França, Itália e Alemanha. O posicionamento de cada um num local fixo do palco, cada qual concentrado no seu papel com vista a um espectáculo total e envolvente, musicalmente muito rico e minucioso, tornou-se imagem de marca. Os seus primeiros discos, que venderam mal aquando do lançamento, foram sendo descobertos retroactivamente pela legião de fãs que granjearam a partir de Foxtrot. O álbum Nursery Crime subia ao primeiro terço da tabela de vendas de LP em Itália em 1975 — quatro anos depois da sua publicação —, apesar da dificuldade das suas músicas excessivamente longas passarem nos programas populares de rádio.
Foi de uma postura austera em palco destes artífices da música que começaram a destacar-se as irresistíveis pantominas e disfarces com que Peter Gabriel ilustrava trechos vocais e pequenas canções com histórias e sortilégios, poemas impenetráveis, quantas vezes mero pretexto para uma ilustração vocal, como defendeu certa vez Jorge Lima Barreto numa crónica. Tenho para mim que a maneira de Gabriel actuar em palco — um protagonismo que se tornou motivo de incómodo crescente para os outros —, o seu recurso que a representações e adereços aparatosos, era também um expediente para tentar disfarçar a sua timidez no centro do palco. O certo é que os espectáculos cada vez mais sofisticados avassalavam as audiências e tornaram-se emblemáticos.
Curioso é notar que os Genesis desta formação genial raramente produziram temas românticos, ou «canções de amor»: as letras de Peter Gabriel carregadas de referências literárias, de William Blake a T. S. Eliot, eram plenas de humor, ternura, sarcasmo e ironia mas nunca de «romance». O cantor, não sendo propriamente o líder da banda, entrava no palco para representar diferentes personagens, depois saía ou escondia-se na sombra a tempos, para todos os seus colegas brilharem nas partes instrumentais em que tinham o seu papel e espaço de afirmação. Talvez o mais injustamente discreto fosse Phil Collins (é dele o único tema romântico desse período desta fase, «More Fool Me», uma canção melosa de três minutos, boa para namorar) apesar da sua bateria intensa e vigorosa nunca se cingir à estrita marcação dos ritmos. Ironicamente, Phil Collins irá substituir Peter Gabriel como vocalista e surpreendentemente revelar-se competentíssimo compositor de canções para rádio e discoteca, afirmando-se de alguma forma o novo líder da banda.
Simplista é a tentativa dos detractores dos Genesis em rotular linearmente o período 1970-75 de «rock progressivo» ou «sinfónico», grosso modo definido por temas instrumentais longos, construídos sobre uma pequena melodia, mais ou menos «planantes» e eufóricos, com muitos sintetizadores e demais artifícios. Se quiséssemos acusar de decadência a mera pretensão da música pop se sofisticar, teríamos de recuar a Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles (1967) e Pet Sounds dos Beach Boys (1966). O antepassado dos sintetizadores, o fascinante Melotron, instrumento de teclas que reproduzia acordes de orquestra ou de coros polifónicos, é utilizado pela primeira vez pelos Beatles no início de «Strawberry Fields Forever» em 1967. Poderíamos chamar pretensiosa a última fase dos Beatles em que se destaca claramente o Álbum Branco como obra-prima? Talvez, mas seria injusto. E é legítimo apelidar de pretensioso o estilo esmerado dos King Crimson, Brian Eno ou, coisa tão diferente, os primeiros álbuns dos Pink Floyd na exploração de sensações sonoras? Talvez, mas seria igualmente injusto, porque todos esses são projectos experimentais de música que expandem, confundem e baralham o conceito de música popular — pretensiosismo e ambição são coisas distintas. Claro que durante os anos 70 usou-se e abusou-se de sintetizadores e compunham-se músicas intermináveis sem grande coerência, toneladas de decibéis e fogo-de-artifício para épater les bourgeois, o mais das vezes com o seu sentido crítico diminuído por estupefacientes. É também neste sentido que os Genesis se distinguem de qualquer onda «psicadélica»: a sua performance meticulosa e fiel a composições e arranjos sofisticados, permitindo à audiência abandonar-se a experiências em moda naqueles anos, exigia aos seus elementos um grande esforço de sobriedade e tecnicidade. Os Genesis, no auge do psicadelismo e da música de intervenção, era uma banda de caretas — ora, isso hoje é para mim é um consolo. O seu produto final era apenas a música. E a verdade é que, se a maior parte dos vinis que guardo da minha juventude faço-o por sentimentalismo, poucos são os que ouço com tanto deleite quanto estas quatro obras dos Genesis.
Antes de passar àquela que considero a sua obra-prima (só comparável em mestria com o tema «Supper’s Ready» de Foxtrot), sugiro um pequeno roteiro de três músicas a título de iniciação aos Genesis, não impeditivo que se explorem outras, quase tão geniais quanto estas:
«The Musical Box» de Nursery Crime — um tema com cerca de 10 minutos, em que os solos vigorosos de Steve Hackett a roçar o hard rock contrastam com o acento erudito das teclas e a teatralidade da vocalização de Peter Gabriel. Uma história surreal sobre o amor entre duas crianças, Cynthia e Henry, e uma caixa de música enfeitiçada, inspirado nos contos de William Blake e nos contos de Lewis Carroll.
«Supper's Ready» — ocupa praticamente o lado dois de Foxtrot, que foi a consagração da banda. Esta música, uma das mais aclamadas nos concertos ao vivo, é uma espécie de suite, com sete secções bem demarcadas onde várias canções se cruzam como árias, formando um empolgante, coeso e crescente hino, cuja letra cheia de nonsense e referências indecifráveis, resumidamente retrata uma batalha do Bem contra o Mal, terminando numa apoteótica citação do Livro do Apocalipse.
«Firth of Fifth» — um dos temas mais «progressivos» dos Genesis, onde se destacam as teclas de Tony Banks e um dos mais emblemáticos solos de guitarra de Steve Hackett. Um tema melancólico, uma espécie de pastoral com 9 minutos de puro deleite e poucas palavras (de Tony Banks).
«The Lamb Lies Down on Broadway»: o culminar da excelência
«Os Genesis cumpriram tudo o que uma sociedade burguesa esperava deles: divertir, alienar, dar-nos prazer idealista. [...] Se bem que perguntemos: a música não serve afinal, e apenas, para dar prazer?» Cito uma vez mais Jorge Lima Barreto, aquando da memorável exibição dos Genesis no Pavilhão Dramático de Cascais, em Maio de 1975, para apresentarem o seu álbum “conceptual” duplo. Repare-se que segundo o espírito da época revolucionária em curso, a boa música deveria assumir-se como «arma contra a burguesia». A mim nada me movia contra a burguesia, e nesse tempo conturbado, era muito difícil a um jovem liceal escapar à moda da «mensagem política» sempre presente nos interstícios de qualquer canção pop. Para um rapaz de 13 anos como eu, educado numa família tradicional, essa «mensagem» o mais das vezes chocava frontalmente com os valores que me eram transmitidos em casa. Ao mesmo tempo que tomava contacto com o hipnotismo planante dos Pink Floyd e me deixava seduzir por Leonard Cohen (cujas letras arduamente tentava entender), alguma música brasileira, e ainda me perdia inebriado com as canções dos Beatles que eram legado da infância, os Genesis surgiram-me como que uma lufada de ar fresco. Conheci-os através duns amigos num grupo de católicos no Verão de 1975, precisamente através desse álbum duplo The Lamb Lies Down on Broadway, que poucos meses antes tinha sido apresentado em Cascais. O disco contava uma história enigmática para o meu parco inglês, gravei-o num aparelho de fita magnética antigo adquirido na Feira da Ladra e ouvi-o durante meses da única bobine que tinha. Foram horas arrebatadas e preguiçosas a descobrir ao milímetro as 27 músicas do disco com quase 90 minutos de boas canções de 4 a 6 minutos, composições com autênticos clássicos lá dentro que exigem curiosidade e tempo para descoberta, em jogos de tensão e distensão, emoção violência e ternura, e até de bom humor — paradigmática a canção em que o jovem herói se dispõe a aprender com uma prostituta os mistérios do erotismo por um “manual”.
Aqui transcrevo uma das mais eloquentes descrições do disco, feita por autor incógnito para um número da revista Cais dedicado aos trinta anos sobre o histórico concerto em Cascais: «The Lamb Lies Down on Broadway funciona como uma colagem de fragmentos. O épico ainda dialoga com o pueril, a doçura com a acidez, a violência com a ternura, mas o travo é de desencanto, cinismo e distanciação, não se vislumbrando a progressão envolvente de temas como “The Musical Box” ou “Supper’s Ready”. Em suma, a tensão melodramática, excêntrica e grandiloquente, que a juventude freak estava habituada a reconhecer nas personagens de Gabriel, dá lugar a uma urbanidade contemporânea. As figuras míticas de um tempo metafórico permanecem — na música e em palco — mas agora como transfiguração da realidade quotidiana de um jovem porto-riquenho de blusão de cabedal, cabelo curto, ténis brancos e lata de spray na mão deambulando pela cidade que é mais cidade que todas as outras, Nova Iorque…» É a história de Rael uma espécie de punk que nas suas correrias pela cidade, rebentando cocktail-molotovs, assiste na Broadway ao rapto do seu irmão John por um estranho fenómeno alienígena. E após várias aventuras e desconcertantes encontros vai descobrir, já perto do final, num emocionante salvamento nas tumultuosas águas de uns rápidos, que um e outro são um só, dois lados da mesma moeda. Poupo-vos à descrição das faixas todas, mas destaco uma das mais emblemáticas, sumptuosas e violentas canções pré-punk, o «Back in New York City», que Jeff Buckley tão bem recupera numa interpretação nos anos 90.
O que é que tudo isto tem a ver com rock progressivo ou sinfónico? Muito pouco, certamente. Como proclama o último verso do tema final do álbum it: cos' its only knock and knowall, but I like. Uma bela charada.
Os Genesis depois de Gabriel
The Lamb Lies Down on Broadway foi sem dúvida a produção “genesiana” mais marcada pela influência de Gabriel, dando inusitada expressão à sua rebeldia e ânsia experimental. Diz-se que o nome do personagem principal, Rael, é uma espécie de anagrama de Gabriel e que toda a história relatada na obra é uma viagem introspectiva do seu autor — mas não tenho a certeza. Certeza tenho de que o resultado final é uma obra-prima e que as composições foram feitas nos moldes de sempre, em grupo, com mais influência de um e outro elemento, numa música ou noutra. E que as letras foram lá colocadas a posteriori em muitos temas, e que para isso tiveram de ser adaptados num processo tumultuoso. A animosidade do restante grupo para com Gabriel era já grande, e antes da digressão de apresentação do disco a saída do vocalista estava anunciada.
Certo é que nenhum dos elementos dos Genesis depois deste período áureo fez, a solo ou em grupo, algo que se lhe comparasse. Nem mesmo Peter Gabriel, que construiu uma carreira muito respeitável, com toques de génio aqui e ali, principalmente nos seus primeiros discos. Para o resto da banda o que veio a seguir foi algo completamente diferente, e é como se falássemos de uma nova, que bem poderia ter mudado de nome. Concedo que os primeiros dois discos da era pós Gabriel ostentam ainda belos temas e composições de grande qualidade, esses sim bastante «progressivos», onde se nota uma crescente preponderância das teclas de Tony Banks. A «genialidade colectiva» que remanescia desapareceu com a saída do guitarrista Steve Hackett, que imprimia complexidade melódica, uma característica importante que então se extinguiu definitivamente. Sem isso, e sem a vertente rebelde e experimental de Peter Gabriel, os Genesis tornaram-se enfadonhos, intercalando canções comerciais com intermináveis lençóis grandiloquentes. Esta nova fórmula garantiu-lhe estádios cheios e milhões de libras, mas duvido que o seu legado permaneça por muito tempo.
Na verdade, tenho muitas dúvidas que o legado de 99% da música moderna prevaleça para lá da vida das gerações suas contemporâneas; tudo foi feito descartável e circunstancial — é o ar do nosso tempo. E possivelmente isto foi tudo uma ilusão, para que me predispus numa idade mais susceptível e que a minha sensibilidade (ou será teimosia?) faz prevalecer como culto ou capricho até à maturidade. Consolam-me os muitos covers dos melhores temas dos Genesis 70-75 a que se dedicam inúmeros jovens músicos em impressionantes vídeos do Youtube. Consola-me também encontrar alguma gente nova nos concertos de tributo a que assisti nos últimos anos. Por tratar-se de uma música tão complicada quanto «cerebral», a sua interpretação por outros resulta muito bem, bastando para tal que estes sejam musical e tecnicamente evoluídos e gostem do que fazem.
Termino como comecei: com este artigo apenas pretendo fazer uma homenagem àqueles cinco rapazes que tanto prazer me deram e continuam a dar. E também enumerar argumentos que justifiquem esta minha paixão. Mas se com estas linhas algum incauto se dispuser a conhecer estas quatro pérolas da música contemporânea — «Nursery Crime», «Foxtrot», «Selling England by the Pound» e The Lamb Lies Down on Broadway —, estou certo que o maior consolo será seu.
PS.: Este texto é em boa parte a minha argumentação para uma prometida tertúlia entre duas facções inconciliáveis que está adiada para uma noitada assim que a DGS o permitir. A boa conversa é o que de melhor se leva daqui.
A Banda da Guarda Municipal de Lisboa dirigida pelo Chefe António Taborda, gravou no Quartel do Carmo para a companhia “The Gramophone and Typewriter” o primeiro disco de pompa militar intitulado “Surpresa do Inimigo” de Martins júnior, a 24 de Julho de 1904.
* Mais tarde GNR
Não chores mais oh fadista, que a Severa não morreu (bis)
Está viva e no Dona Amélia, ainda ontem a vi eu. (bis)
Porque estás triste e calado, porque não falas calão?
Porque olhas para o chão, porque não cantas o fado? (bis)
Bebe dois do abafado, corre o mal que te contrita.
Põe alegre a curvadita (?), não te ponhas mudo ao canto.
Enxuga as faces do pranto, não chores mais oh fadista. (bis)
Já te não vejo nas hortas, a provar o belo vinho.
Porque vagueias sozinho, por Alfama a horas mortas. (bis)
Esse cabelo não cortas, nem pra trás pões o chapéu.
Errante como um Judeu, teu caminho volta atrás.
Olha para aquele cartaz, que a Severa não morreu. (bis)
Porque é que o Fado não cantas, já que ela ressuscitou.
Pois do outro mundo voltou, pelo braço do Júlio Dantas. (bis)
Raptada d’entre tantas, aquela branca camélia,
Do Vimioso a Ofélia, no mundo estava dobrado,
Pois cantando o belo fado, está viva e no Dona Amélia. (bis)
Avelino Baptista - Fado Fadista
Disco Ideal Grande
Beka Record
Lisboa, 1904
De volta às gravações antigas com este disco Beka-Record gravado em Lisboa em 1904, ainda só de um lado.
"Poesia Carnavalesca" uns versos satíricos bem atrevidos por Franco d'Almeida.
Concebidos numa cera castanha bastante frágil em que o registo se degradava em pouco mais de dez audições, originalmente os cilindros tinham de ser gravados, cada um deles, ao vivo. Posteriormente desenvolveu-se uma solução interligando os fonógrafos com tubos de borracha, um sistema não satisfatório mas suficientemente eficaz para a comercialização e venda de cilindros gravados em série. Tal obrigava os artistas, músicos e cantores a desgastantes sessões em que repetiam incessantemente o tema até produzirem um lote suficiente para satisfazer a procura. Dava-se o caso curioso de uma mesma edição inevitavelmente exibir ligeiras diferenças nas interpretações.
Imagem roubada daqui
Hoje 1 de Dezembro partilho aqui a minha última aquisição: o Hino da Carta composto por Dom Pedro IV, que foi o hino nacional até à revolução da república, gravado num cilindro de cera e reproduzido no meu Edison Home Phonograph de 1900.
Letra:
I
Ó Pátria, Ó Rei, Ó Povo,
Ama a tua Religião
Observa e guarda sempre
Divinal Constituição
(Coro)
Viva, viva, viva ó Rei
Viva a Santa Religião
Vivam Lusos valorosos
A feliz Constituição
A feliz Constituição
II
Ó com quanto desafogo
Na comum agitação
Dá vigor às almas todas
Divinal Constituição
(Coro)
Viva, viva, viva ó Rei
Viva a Santa Religião
Vivam Lusos valorosos
A feliz Constituição
A feliz Constituição
III
Venturosos nós seremos
Em perfeita união
Tendo sempre em vista todos
Divinal Constituição
(Coro)
Viva, viva, viva ó Rei
Viva a Santa Religião
Vivam Lusos valorosos
A feliz Constituição
A feliz Constituição
IV
A verdade não se ofusca
O Rei não se engana, não,
Proclamemos, Portugueses
Divinal Constituição
(Coro)
Viva, viva, viva ó Rei
Viva a Santa Religião
Vivam Lusos valorosos
A feliz Constituição
A feliz Constituição
O meu brinquedo novo: uma magnífica telefonia RCA Victor modelo Emissora Nacional (ou rádio Salazar) de 1935 a funcionar. Um aparelho económico só com ondas médias (não captava rádios estrangeiras), para uso popular (através de subscrição para pagamento em prestações) para propaganda do regime. Ostenta o logótipo da EN com o verso de Camões: "Cantando espalharei por toda a parte".
Fado do Tarata
Artur Portella
Revista Ás de Espadas
1927
Pela soprano Adelina Fernandes
Hoje em dia ir pra soldado,
Já não assusta ninguém,
Passa a noite estiraçado,
Com uma cachopa ao lado,
Na estrada de Sacavém.
E nos campos da Amadora,
Sem pensar na revolução,
Quando passa uma senhora,
Bate-se a gente como um leão,
E nem um tiroliro
Dão as tropas,
Que o Tarata só tem lata
Pra dar tiros nas cachopas,
Mas se esta guerra se mais tempo dura,
Mais parece c’oa ditadura
Uma dama cara unhaca
Deu-me um beijo – ele é bem meu
E ao galucho é que se atraca,
Porque em suma a carne é fraca,
E um homem não é de pau,
E ao chegar perto de Belas,
Eu nem qu’ria olhar para trás,
Que eram velhas e donzelas,
Tudo a atirar-se cá ao rapaz.
O lançamento em Lisboa da minha segunda colectânea de apontamentos e comentários intitulada "Crónicas Moralistas", terá lugar no próximo dia 11 de Fevereiro pelas 15,30 no Instituto Amaro da Costa (Rua do Patrocínio nº 128 A em Campo d’ Ourique). O livro será apresentado por Eduardo Cintra Torres, por Pedro Mota Soares e pelo Cónego Carlos Paes, pelo que peço desde já aos meus amigos que aqui me visitam a reservem a data para estarem comigo nesse dia muito especial para mim.
Para uns delicados ouvidos analógicos como os meus é reconfortante verificar como, a par do vertiginoso processo de desmaterialização da música e do crescimento exponencial do seu consumo através das de plataformas de streaming como o Spotify, Apple Music ou o Google Play, o mercado do vinil vai-se afirmando como uma consolidada alternativa para os verdadeiros melómanos e audiófilos. A comprová-lo basta verificar o espaço a ele reservado nas lojas Fnac, já para não falar da proliferação de novas lojas de discos nos grandes centros urbanos, ou pelo facto da versão em vinil de "Black Star" de David Bowie ter vendido globalmente perto de 500.000 cópias. No entanto convém realçar que este crescimento terá sempre como limitação os custos monetários necessários para a aquisição de um competente sistema de reprodução: um bom gira-discos com uma boa célula, um amplificador competente com entrada “Phono” e umas colunas adequadas ao espaço em que vão tocar. De resto faz-me alguma confusão a profusão de oferta de pequenos gira-discos de má qualidade, a maior parte com um atraente design “vintage”, que constituirão um logro para o consumidor, que rapidamente se perceberá que, para além de estragarem dos discos, não preenchem os valores mínimos de qualidade sonora comparativamente a qualquer pequeno dispositivo de reprodução digital, até o smartphone mais básico.
Nascida em 1897 em Silves, Corina Freire foi uma cantora lírica soprano e actriz portuguesa. Foi a primeira portuguesa a trabalhar no Olympia de Paris e a cantar para o Príncipe de Gales, depois duque de Windsor. Aqui o tema com que fez a sua primeira incursão no teatro de revista aos 30 anos.
Fonte: Wikipedia
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